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sexta-feira, 5 de outubro de 2007

OS HOMENS DESEJAM AS MULHERES QUE NÃO EXISTEM

Está na moda - muitas mulheres ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pêlos pubianos nos salões de beleza. Ficam penduradas em paus-de-arara e, depois, saem felizes com apenas um canteirinho de cabelos, como um jardinzinho estreito, a vereda indicativa de um desejo inofensivo e não mais as agressivas florestas que podem nos assustar. Parecem uns bigodinhos verticais que (oh, céus!...) me fazem pensar em... Hitler.

Silicone, pêlos dourados, bumbuns malhados, tudo para agradar aos consumidores do mercado sexual. Olho as revistas povoadas de mulheres lindas... e sinto uma leve depressão, me sinto mais só, diante de tanta oferta impossível. Vejo que no Brasil o feminismo se vulgarizou numa liberdade de "objetos", produziu mulheres livres como coisas, livres como produtos perfeitos para o prazer. A concorrência é grande para um mercado com poucos consumidores, pois há muito mais mulher que homens na praça (e-mails indignados virão...) Talvez este artigo seja moralista, talvez as uvas da inveja estejam verdes, mas eu olho as revistas de mulher nua e só vejo paisagens; não vejo pessoas com defeitos, medos. Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar. Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus.

O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável? Muitas têm boquinhas tímidas, algumas sugerem um susto de virgens, outras fazem cara de zangadas, ferozes gatas, mas todas nos olham dentro dos olhos como se dissessem: "Venham... eu estou sempre pronta, sempre alegre, sempre excitada, eu independo de carícias, de romance!..."

Sugerem uma mistura de menina com vampira, de doçura com loucura e todas ostentam uma falsa tesão devoradora. Elas querem dinheiro, claro, marido, lugar social, respeito, mas posam como imaginam que os homens as querem.

Ostentam um desejo que não têm e posam como se fossem apenas corpos sem vida interior, de modo a não incomodar com chateações os homens que as consomem.

A pessoa delas não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele.

Mas, que nos prometem essas mulheres virtuais? Um orgasmo infinito? Elas figuram ser odaliscas de um paraíso de mercado, último andar de uma torre que os homens atingiriam depois de suas Ferraris, seus Armanis, ouros e sucesso; elas são o coroamento de um narcisismo yuppie, são as 11 mil virgens de um paraíso para executivos. E o problema continua: como abordar mulheres que parecem paisagens?

Outro dia vi a modelo Daniela Cicarelli na TV. Vocês já viram essa moça? É a coisa mais linda do mundo, tem uma esfuziante simpatia, risonha, democrática, perfeita, a imensa boca rósea, os "olhos de esmeralda nadando em leite" (quem escreveu isso?), cabelos de ouro seco, seios bíblicos, como uma imensa flor de prazeres. Olho-a de minha solidão e me pergunto: "Onde está a Daniela no meio desses tesouros perfeitos? Onde está ela?" Ela deve ficar perplexa diante da própria beleza, aprisionada em seu destino de sedutora, talvez até com um vago ciúme de seu próprio corpo. Daniela é tão linda que tenho vontade de dizer: "Seja feia..."

Queremos percorrer as mulheres virtuais, visitá-las, mas, como conversar com elas? Com quem? Onde estão elas? Tanta oferta sexual me angustia, me dá a certeza de que nosso sexo é programado por outros, por indústrias masturbatórias, nos provocando desejo para me vender satisfação. É pela dificuldade de realizar esse sonho masculino que essas moças existem, realmente. Elas existem, para além do limbo gráfico das revistas. O contato com elas revela meninas inseguras, ou doces, espertas ou bobas mas, se elas pudessem expressar seus reais desejos, não estariam nas revistas sexy, pois não há mercado para mulheres amando maridos, cozinhando felizes, aspirando por namoros ternos. Nas revistas, são tão perfeitas que parecem dispensar parceiros, estão tão nuas que parecem namoradas de si mesmas. Mas, na verdade, elas querem amar e ser amadas, embora tenham de ralar nos haréns virtuais inventados pelos machos. Elas têm de fingir que não são reais, pois ninguém quer ser real hoje em dia - foi uma decepção quando a Tiazinha se revelou ótima dona de casa na Casa dos Artistas, limpando tudo numa faxina compulsiva.

Infelizmente, é impossível tê-las, porque, na tecnologia da gostosura, elas se artificializam cada vez mais, como carros de luxo se aperfeiçoando a cada ano. A cada mutação erótica, elas ficam mais inatingíveis no mundo real. Por isso, com a crise econômica, o grande sucesso são as meninas belas e saradas, enchendo os sites eróticos da internet ou nas saunas relax for men, essa réplica moderna dos haréns árabes. Essas lindas mulheres são pagas para não existir, pagas para serem um sonho impalpável, pagas para serem uma ilusão. Vi um anúncio de boneca inflável que sintetizava o desejo impossível do homem de mercado: ter mulheres que não existam... O anúncio tinha o slogan em baixo: "She needs no food nor stupid conversation." Essa é a utopia masculina: satisfação plena sem sofrimento ou realidade.

A democracia de massas, mesclada ao subdesenvolvimento cultural, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade ignorante como a nossa deu nisso: superobjetos se pensando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. A liberdade de mercado produziu um estranho e falso "mercado da liberdade". É isso aí. E ao fechar este texto, me assalta a dúvida: estou sendo hipócrita e com inveja do erotismo do século 21? Será que fui apenas barrado do baile?

texto de Arnaldo Jabor

Roubar é um prazer quase sexual

Por que há tanto ladrão no Brasil? Ah... Miséria, falta de emprego... Mas...
não é só isso. Não falo dos ladrões de galinha, que pulam janelas mordidos de cachorro. Falo do ladravaz instituído, aquele que mora dentro dos cofres públicos, que passa dias e noites estudando como burlar as leis e burocracias. Nos grandes e pequenos há, claro, o doce prazer da adrenalina.

Roubar é uma aventura louca, um filme de ação, roubar é um vício secreto:
poder entrar numa loja e "estarrar" um livro ou uma jóia, com o coração disparado pelo pavor de ser pêgo, e a imensa alegria do êxito de sair na rua, sem ninguém ver. No caso do ladrão da coisa pública, há o estímulo da vingança contra secretas humilhações - você se vinga dos ladrões que sempre te "roubaram". "Ahhh... estou tirando o meu... Esses ladrões do governo roubam há séculos... antes eu que eles..."- se justificam.

Um velho executivo me contou que já comprou um presidente da República. E foi humilhado como se fosse ele o ladrão. O presidente dera ordem para que a eterna mala preta fosse entregue dentro do próprio Alvorada. Ele foi entrando por todas as portas e ninguém o barrava. Já era de noite. Até que chegou à sala do presidente. Luz acesa e, lá longe, o chefe da nação, fingindo desatenção, escrevia na mesa. Olhou o velhinho com desprezo e apontando-lhe o dedo ameaçador berrou, expulsando-o: "Deixe a mala aí no chão e... retire-se!" O pobre homem se esgueirou como um cão pelo palácio e foi vomitar nos tinhorões do jardim.

No caso dos ladrões públicos, o roubo tem uma conotação até meio patriótica, pois já vi muita gente se orgulhar de não pagar imposto. "Eu? Pagar para esses vagabundos pagarem o FMI? Nunca!" Esse é o ladrão de esquerda. Hoje, muitos pululam dentro da administração infiltrada de petistas, que vêem o governo como um palácio a ser saqueado.

Há muitos tipos de ladrões. Já conversei com alguns deles na maciota, para perceber o motivo que os anima. O mais recorrente é o desejo de "dar um tapa numa nota" e resolver a vida. A idéia de "sair" da sociedade e de seus contratempos, de ir para uma praia infinita e nunca mais parar de beber água-de-coco. Mas, esses ainda são amadores. O grande ladrão quer ficar, roubando sempre. É uma missão.
Esse ladrão vocacional é olhado com admiração nas churrascarias e shoppings.
"Olha lá o ladrão!..., diz o executivo traçando uma picanha. O outro responde: "É ladrão, mas é espada, dá nó em pingo d'água!..." E o vagabundo desfila, com perfil de medalha.

Eles dizem que depois do primeiro milhão de dólares, o negócio é mais sexual.
Um sujeito me contou que já pegou muita mala preta debaixo de banco de praça. A adrenalina que rola na hora de ver as verdinhas é melhor que morfina. Palpar os dólares arrumadinhos pela concessão pública de um canal de esgoto ou de um golpe no INSS são volúpias inesquecíveis.
Outro me contou que adora ver os olhos covardes do empresário pagando-lhe a propina para o empréstimo público ou para o perdão da dívida. O empresário tenta fingir naturalidade, mas o ódio acende-lhe os olhos. Disse-me: "Adoro ver-lhe a raiva travada, o sapo engolido, fingindo-se simpático, adoro ver-lhe as mãos trêmulas, adoro até o desprezo impotente que ele tem por mim, vendendo-me eu, eu, o desonesto sem-vergonha. Gosto de me sentir conspurcado pelo nojo do outro." Disse-me também esse mr. M... da roubalheira: "Hoje, estou aposentado, boiando aqui na minha piscina enorme em forma de vagina, mas me babava de prazer quando via a cara do juiz tentando uma severidade olímpica, enquanto exarava uma liminar comprada e que se exasperava, mudo, quando via a piscadela cúmplice que eu lhe dava na hora da sentença. Não sei por que me sinto superior aos otários que me compram; não me ofendo, ao contrário, olho-os do alto! Roubar é sexy, meu amigo - me disse o ladrão aposentado, deitado numa bóia roxa, flutuando na piscina, com um coquetel amarelo e rosa na mão - Roubar dá tesão!" Roubar tem algo de orgasmo. Quando o sujeito embolsa uma bolada, o fluxo de libido é inesquecível.

Eu mesmo, uma vez, estava com uma pasta com cerca de 50 mil dólares dentro.

Fui tomar um cafezinho e tive o capricho de deixar a pasta em cima do balcão, ao lado do açucareiro, onde se acotovelavam proletários com copinhos de cachaça, e eu pensava: "Nessa pasta aí está a salvação deles e eles nem imaginam..."

Vejam o prazer perverso do poder...
Nos ladrões bem-sucedidos do Brasil, há o orgulho imenso da cafajestice:

todos passam a entender de vinho quando enricam, todos compram lanchas e gado, todos arranjam amantes "cachorras", de cabelo pintado e correntinha no tornozelo, todos se deliciam em se saber vilipendiados pelas costas em salões de grã-finos sussurrando "Olha o ladrão...", mas sabendo-se também invejados pelas aventuras que eles lhe atribuem. As mulheres imaginam os colares que ganhariam se fossem suas piranhas louras, como nos filmes de gângsteres dos anos 40. Nelson Rodrigues dizia que o honesto tem úlcera e que a mulher lhe atira na cara: "Você não é honesto, não; você é burro!"

Senti mesmo, em alguns canalhas que conheci, o orgulho de suportar o sentimento de culpa que raras vezes lhes bate na consciência quando, digamos, roubaram verbas de remédios para criancinhas com câncer; sua gelada indiferença lhes parece prova de macheza, quase integridade. Um assassino do esquadrão da morte, que namorou uma atriz com quem trabalhei, contou-lhe que se masturbava diante do estrangulamento de crioulos num terreno baldio, indo depois para casa, onde os filhos felizes vêem desenho animado na TV.

Um ladrão intelectual me disse: "Este país foi feito assim: na vala, entre o público e o privado. Há uma grandeza na apropriação indébita, florescem ricas plantas na lama das roubalheiras. A bosta não produz flores magníficas? Pois é... o Brasil foi construído com esse fertilizante. O progresso do País deve-se a roubalheira secular. Sempre foi assim e sempre será. Roubo é cultura..."

Enquanto isso, o STF quer acabar com os poderes do Ministério Público...

texto de Arnaldo Jabor